quinta-feira, 3 de junho de 2010

A MÚLTIPLA SILVANA MENEZES

por Virgínia Leal Crisóstomo

Uma mulher bonita, sensual, decidida, inquieta, agitada, contemplativa, intuitiva, impulsiva, briguenta, interessante, multifacetada. Foi alfabetizada em casa e freqüentou tarde a escola. Quem sabe, até mesmo por isso, logo cedo se encantou pela poesia. Gostava de recontar para os amigos as histórias que ouvia dos pais e avós, em noites de lua cheia. Cursou escola de teatro, no Sesc, só para afinar a interpretação e melhorar a performance. Apesar de jovem, percorreu uma bela, diversificada e longa trajetória pelo território das artes. Estou falando de Silvana Menezes, a produtora cultural, a educadora, a intérprete, a poeta, a mulher. A menina que para fugir da timidez inventa mulheres. A educadora que afirma serem tênues nossas verdades absolutas. Foram minhas impressões, ao entrevistá-la, no Centro de Cultura Luiz Freire, numa tarde agradável de junho. Da conversa informal que tivemos, extraí o material que segue abaixo, transcrito do que foi gravado.

As raízes

Sou de Dois Riachos, lugar muito bonito, distrito de Umbuzeiro, agreste, metade Paraíba, metade Pernambuco, terra em que nasceu Assis Chateaubriand.

Em Dois Riachos, na época não havia escola, meus pais, Jael e Manoel, eram de pouca leitura. Um dia, encontrei na estrada um pedaço de jornal e outro de disco e fiquei encantada, falei com minha mãe, e foi quando chamaram uma professora pra gente, madrinha Alzenira que passou a morar lá em casa durante a semana, dando aula pra gente e pras outras crianças da redondeza, de noite dava aulas para adultos, alfabetizando. Isto durou cinco anos, tempo em que fizeram o Grupo Escolar de Dois Riachos. Mais tarde fomos estudar em Umbuzeiro, andávamos mais ou menos uma hora e meia para chegar ao Grupo Escolar Manoel Pessoa, que era o nome do pai de João Pessoa ou era Epitácio Pessoa, ambos nascidos também em Umbuzeiro.

Minha mãe escutava o rádio enquanto costurava, ouvia rádio-novela e eu ficava por ali, chuleando, com o intuito de ouvir o rádio. Meu pai não gostava, proibia, sempre foi um grande contador de histórias, em noites de lua cheia, nos reuníamos com alguns vizinhos, para ouvir histórias de Camões, mas eram histórias bem diferentes das que conheço hoje, enfim, ainda costuro, mas não tenho um bom corte e por isso todo vestido que faço é godê (rs).

Já naquele tempo, imitava comerciais de rádio, juntava amigos, costurava roupa de boneca e vendia pras amigas (rs).

Histórias de Infância

Um dia de chuva, em Cascavel, que fica no Mundo Novo, perto de Dois Riachos, trazíamos umbus em bacias nas cabeças e a tarde escureceu, chuva bastante forte, encheu as bacias e expulsaram os umbus, que foram caindo na estrada, e as bacias pesadas de água, não atinamos, até que pai e mãe vieram ao nosso encontro, e olhamos pra trás e vimos os umbus, caídos pelo caminho. Essa imagem ficou marcada na cabeça. Nesse mesmo lugar, Cascavel, tinha um nascer de dia tão vermelho que parecia um tição, quando madrugávamos para catar algodão, era belo, imagem tatuada em mim.
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Silvana Menezes
(1967 Umbuzeiro/Paraíba)

O poeta enxerga tanto
ao ponto de depositar
nas palavras
as balas
que de outra maneira
jogariam seus miolos
a dez metros de distância





Vamos acertar as contas dona poesia
porque é nesta noite que lhe boto pra fora!!!
a senhora por acaso pediu licença
para entrar no meu peito?
Acaso me deu tempo de amadurecer as idéias?
Com que roupa agora abre a boca para falar de mim?
Com que direito?
Me despe!?





Escrever não é miragem
é ofício e é vertigem.
E o instante presente
é a única coisa concreta
que existe em minha vida.





Se a vontade de escrever se apresenta
e a amada dorme ao teu lado
levante e caminhe em silêncio
para não perturbar-lhe os sonhos
procure um pouco da luz
que pela fresta dos cabelos
se insinua
e nessa contra luz
escreva versos de amor para ela
que dorme serenamente
e quando nascer o dia
pegue um pouco de sol
misture a música do mar
e volte para cama com
seu verso
fresquinho no peito.





Hoje eu vou sair
vou conseguir tudo o que eu quiser
vou sorrir para um mundo melhor
vou molhar o seu olhar de alegria
hoje é o meu dia!
eu vou interpretar a minha personagem
e ser a atriz de mim mesma
hoje é a minha mais difícil estréia
vou falar de mim
vou me dizer
não publiquei
eu vou sim
dizer meus versos nas praças
vendê-los nas pontes
hoje
eu vou ser o meu poema.





Fonte:
Marginal Recife
Coletânea Poética III
Recife 2004
Prefeitura do Recife - Secretaria de Cultura Cidade do Recife
Organizadores: Cida Pedrosa, Miró e Valmir Jordão

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